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Uma Crise Humana

domingo, abril 26, 2009 12:35:00 PM

Não somente os brasileiros mas grande parte da população mundial ouvem todos os dias a palavra crise. É a crise econômica que atinge, primeiramente, a credibilidade dos empréstimos bancários e depois os empregos de milhões de trabalhadores, como um efeito dominó. No entanto, a economia não é a única personagem de nossa crise atual mas sim uma de suas multifacetas. Reduzir a crise global somente aos aspectos econômicos (monetário, acionário, credial, empregatício, dentre outros) é contribuir com uma visão de mundo ultrapassada e tradicional. É suprimir toda a análise da Humanidade, complexa, heterogênea e não-linear em um discurso voltado somente à influência do mercado. A metodologia marxista de análise não é objeto de debate nesse texto, mas deve-se afirmar que a concepção de mundo é muito mais abrangente do que o mercado.

Atrelada a uma crise econômica, está presente também uma crise dos recursos naturais do planeta. Já é sabido que o mundo extrai, no mínimo, até vinte por cento a mais do que o próprio mundo consegue repor. Passamos, já há algum tempo, do ponto. Destruímos ecossistemas, derrubamos florestas, extinguimos espécies de plantas e animais, aniquilamos aquilo que nem sequer conhecemos ainda detalhadamente. A raça humana não conhece o potencial do mundo de que se utiliza e de que destroi gradativamente.

Além da crise econômica e da crise referente ao uso dos recursos naturais do planeta, podemos citar uma terceira: a crise dos alimentos. A população cresce e necessita de mais víveres e, desse modo, precisa de uma maior produção de alimentos. No entanto, em muitos lugares, se destroi o próprio solo, se impacta o potencial hídrico (já enfraquecido pela derrubada das florestas), e caso a produção agrícola não diminua, geralmente encontra-se estagnada. Os preços tendem a aumentar, a figura do mercado entra novamente em cena e as classes mais pobres padecem. Deve ser mencionado também o ainda obscuro, mas cada vez mais importante, papel das sementes transgênicas. Importante porque em um mundo cada vez mais assolado pelas hipóteses de variações climáticas (cada vez mais evidentes devido a construção de modelos climáticos mais completos), elas constituem-se como “braços fortes” de uma possível manutenção da produção agrícola. Obscuro porque o desenvolvimento de sua tecnologia obedece também a interesses particulares e organizacionais, e deixar que uma questão tão importante como a produção de alimentos fique à mercê de interesses particulares é tornar o mundo ainda mais vulnerável do que já se encontra.

No entanto, chegamos em um momento do texto em que explanamos uma quarta crise, tão séria quantos as outras citadas, pois todas estão interrelacionadas. É a crise moral e intelectual.

Por que crise intelectual? Porque a própria sociedade em geral não conhece de modo satisfatório os limites, as características e aspectos do próprio mundo onde vive, mundo esse que exige tal grau de conhecimento para ser explorado racionalmente com o atual nível de tecnologia. É claro que os cientistas, supostos detentores do conhecimento epistemológico, também não conhecem muitos dos fenômenos naturais do planeta. Todavia, o que já foi descoberto pela ciência poderia ser melhor ensinado à população. Mas a educação anda “mal das pernas” há muitas décadas no Brasil, apesar de toda a propaganda e de todos os esforços de mudanças que estão sendo empenhados em sua estrutura educacional. Muitos professores não somente estão despreparados; estão desmotivados. Os alunos, reconhecendo tal fraqueza do sistema educacional e não vendo, em sua parcela majoritária, maiores esperanças em seu futuro, se revoltam contra o próprio ensino e também, por diversos motivos, com relação às suas vidas particulares, na grande maioria das vezes muito conturbadas. Desse modo, o fantasma da ignorância coletiva cria tentáculos, mesmo em um mundo globalizado, onde a informação é excessiva. Do que adianta ter a informação se não se sabe corretamente quais são os seus conceitos? E mesmo que o cidadão saiba conceitualmente sobre a informação veiculada, ainda não poderia estar ausente a sua auto-capacidade de reflexão, geralmente muito pequena?

Por que crise moral? Porque se estamos vivendo em um momento onde as informações são tão excessivas, e poderosas, e a dinâmica das ações sociais são muito fluentes e impactantes, o mundo passa, portanto, a ser muito vulnerável. O Ser Humano se esquece de que a sua modernidade possui um preço, a sua responsabilidade. Não é possível mais usufruir das vantagens do mundo, tal qual um pirata, e depois deixar que o próprio planeta se regenere e “perdoe” os abusos cometidos. O mundo de hoje não é mais o mundo antigo onde se podia jogar a “sujeira por debaixo do tapete”. O mundo de hoje não é mais o mundo de Cristóvão Colombo ou de Vasco da Gama em que se desbravavam as terras desconhecidas. Atualmente, não existem mais áreas desconhecidas. O mundo todo é monitorado, rastreado, conhecido geograficamente, analisado mediante os inúmeros satélites. Este agora encontra-se cada vez mais “pequeno” e fragilizado e a própria sociedade ainda não almeja, seja por mesquinhez ou por falta de vontade, dar respaldo à essa realidade. Desse modo, aí configura-se a nossa falta de moral, quando ainda ignoramos as limitações do mundo (mesmo conhecendo a existência de sua fraqueza) e desprezamos a dignidade do outro cidadão, desprezando assim a nossa própria sociedade.

Nesse momento, cito um texto de Paula Brugger onde ela explicita a importância do amadurecimento do discurso da interdisciplinariedade, da transdisciplinariedade e da multidisciplinariedade (“O voo da águia: reflexões sobre método, interdisciplinariedade e meio ambiente), procurando refletir e reforçar a idéia de mudança em nosso modo de pensar mecanicista (newtoniano-cartesiano) para um modo de pensar mais sistêmico, organicista e que enfatizasse mais a aleatoriedade dos processos do mundo. A crise humana moderna, exige uma mudança paradigmática do modo de pensar de uma sociedade. A busca por um mundo em que o TODO pode ser explicado mediante um paradigma que se assemelha a uma “receita de bolo” e que transforma a complexidade dos fenômenos naturais e sociais em um “pocket” conhecimento reducionista é algo utópico. Mais viável constitui-se um paradigma em que se aceite várias visões de mundo, otimizando as atividades sociais, preservando o potencial geoecológico do planeta, diminuindo a importância (ou mesmo soberba) de se conhecer o TODO (conceito de cunho metafórico e de difícil significado segundo Milton Santos), mas por sua vez, melhorando o desenvolvimento de metodologias para que os povos e nações tenham condições de buscar, ou chegar mais próximos, à tão almejada sustentabilidade em suas ações, respeitando-se as suas diferenças. Essa seria uma ação em busca de uma maior reflexão científica e social e, inclusive, uma tentativa de recuperação do nível moral e do grau intelectual de uma Humanidade desgastada e que muitas vezes insiste em “cultivar” antigas ambições de natureza positivista. Daí, o texto cita um voto de esperança à crise humana, com o desenvolvimento da interdisciplinariedade, candidata a uma tentativa de mudança paradigmática do pensar.

Entretanto, com um mundo, especialmente o Ocidental, que aprendeu a pensar desde o século XVI de maneira linear, embasado na relação de causa e efeito, ação e reação, nos variados elementos e fatores do mundo que o rodeia, mudar o seu paradigma não constitui-se como uma tarefa fácil. Não é algo fácil para qualquer pessoa e igualmente difícil para o autor desse texto. Deve-se levar em conta que o pensamento positivista foi de fundamental importância para o desenvolvimento do mundo moderno e rechaçá-lo significa não dar o seu devido valor histórico. Contudo, em muitos aspectos, ele está ultrapassado e o mundo, dinâmico como é, exige de seus moradores mudança! Desse modo, como a própria Brugger apresenta no fim de seu artigo, citando Wittgenstein, uma das saídas para uma mudança filosófica de pensar o ambiente, fortalecendo assim a idéia defendida da interdisciplinariedade, está na modificação de nossas expressões e de nossa própria linguagem. Segundo ela, se buscamos novas concepções de mundo que procurem substituir ou mesmo aperfeiçoar as já concepções existentes, devemos buscar novas formas de expressão também para a configuração filosófica desse “novo mundo”.

Não nos enganemos em imaginar que essa crise surgiu à pouco tempo. Na verdade, a Humanidade sempre viveu em crise e as guerras são um dos principais exemplos da crise existencial humana. No entanto, “nossa casa” era “maior” antes, e mesmo com os exemplos de estupidez do pensar de uma sociedade em crise constante, a idéia de um mundo “forte e ilimitado” não era apenas reconfortante, mas também providencial. As “crianças cresceram”, “ficaram mais fortes” e a nossa casa “ficou mais fraca”. O resultado final é o fim da inocência de imaginar que a nossa casa será indestrutível para sempre, o que faz surgir a necessidade de uma mudança de pensamento com relação ao nosso meio ambiente, tal como muitos cientistas, pensadores e filósofos já o dizem.

Mesmo em um mundo de guerras e de desrespeitos aos direitos humanos, mesmo em um mundo cheio de preconceitos e hipocrisias, não se muda a hipótese de que a sociedade só possui a ela mesma. E mesmo com toda a Ciência, com suas descobertas e avanços, se o Ser Humano não respeita a si mesmo, então, inevitavelmente, estaremos condenados à extinção. De fato, não haverá esperança de vida em uma sociedade que não respeita diferenças, que não tolera partilha, que não oferece o mínimo de condições dignas à perpetuação da vida das próprias pessoas e que acha utópica a tentativa de uma nova e melhorada maneira de ver e conceituar o mundo que conhecemos, enquanto ele ainda existir, enquanto ainda houver tempo.

Texto citado: BRUGGER, P. O vôo da águia: reflexões sobre método, interdisciplinaridade e meio ambiente In: Revista Educar : Curitiba, Editora UFPR, 2006. pp. 75 – 91.

Comments:
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Vamos em frente, vamos vencer, quem é que vence?
São os que, no caminho do amor, não param de lutar, não desistem, e não desanimam.
 
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