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O nascimento da fotografia e sua relação com a Geografia

sexta-feira, novembro 14, 2008 5:50:00 PM

A qualquer professor de geografia que perguntássemos pelo nome de Alexander von Humboldt (1769-1859) diria no mínimo que está associado diretamente à história da geografia científica. Esse naturalista alemão está também vinculado à apresentação do invento de Louis Jacques Mande Daguerre (1787-1851), o daguerrótipo, à Academia de Ciências de Paris, e sua participação não parece ter sido secundária.
Sabemos que Humboldt viveu durante anos em Paris como um conceituado homem de ciência e que mantinha estreita amizade com François Arago(1) (1786-1853). Este último era, em 1839, deputado republicano pelos Pirineus Orientais franceses e fora designado pela Academia de Ciências de Paris, não somente por ser um político, mas também um cientista aberto aos novos descobrimentos, para que, junto com Humboldt e Biot, emitissem um parecer a respeito da relevância da invenção de Daguerre.

Na visita que os cientistas fizeram à casa de Daguerre, coube a Arago tornar públicos os informes da comissão: “o senhor Daguerre tem descoberto umas pantalhas especiais nas quais a imagem ótica deixa uma perfeita imagem”(2).
Humboldt não se restringe a participar somente da comissão, mas certamente influenciou a intervenção de Arago na Academia de Ciências de Paris.
De que se tratava esse invento que revolucionava todo o mundo?
Em 7 de janeiro de 1839, fizeram-se públicos os primeiros reconhecimentos da “técnica diabólica”(3), depois da comissão ter dado seu parecer favorável e, em 19 de agosto do mesmo ano, na sessão da Academia, Arago, tornou definitivamente público o processo que viria revolucionar e substituir os “desenhistas que copiavam os jeroglíficos, seja em Tevas, Menfis ou Karnak,.”(4) porque, desde agora, afirma Arago: “com o daguerrótipo, um só homem poderia desenvolver esse trabalho [...] Há de esperar-se [também] que seja possível obter mapas fotográficos de nosso satélite...”(5)

A sala da reunião da Academia ficou lotada. Nela estavam os homens mais importantes das ciências, Watt, Morse, Humboldt, todos atentos a comunicação de Arago.
No Brasil, a primeira notícia do invento de Daguerre apareceu publicada no dia 1º de maio de 1839 no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, e referia-se aos dados notícias publicadas na França pelo jornal O Século com motivo da primeira apresentação do invento, em janeiro do mesmo ano.

O invento ou descobrimento de que vamos fallar merece hum e outro titulo; a natureza e o engenho do homem podem ahi apostar primazias. A natureza aparece retratando-se a si mesma, copiando as suas obras assim como as da arte. [...] He innegavel, a vista do que levamos apontado, que este invento, hum dos mais admiráveis de nossos tempos, terá largas conseqüências em todas as artes do desenho, e contribuirá não só para o progresso do luxo útil e aformoseador da sociedade, mas também para maior aproveitamento das viagens, quer sejão scientificas, ou artisticas ou moraes, quer de simples divertimento e recreação.(6)

A relação da fotografia com o retrato da natureza e as viagens, que aparecem no texto citado, é também uma relação com a geografia. Uma disciplina profundamente associada às viagens e a descrição do mundo real, como assim o demonstram os títulos de revistas francesas que estavam em circulação na época: Jornal de Voyages (1808), La Tour du Monde e Lectures Géographiques.

A palavra fotografia significa escrever com luz e foi utilizada pela primeira vez, segundo se acostuma a crer, por Sir John Herschel em 1839(7), porém, em 1832, Hercules Florence, um litografista de Campinas – São Paulo –, escrevia no seu caderno de notas o seguinte: Fixation des imagens dans la chambre obscure e photographie, como forma de referir-se às experiências de impressão com luz solar(8) que ele desenvolvia.
Voltemos um momento à reunião da Academia de Ciências e veremos como fora descrito o processo do daguerrótipo:

Daguerre tomou a placa de cobre prateada e frotou sua superfície suavemente com um algodão molhado numa mistura de pedra pomez e azeite de oliva. Cubriu toda a superfície e observei que fazia isto de modo circular e depois em movimentos paralelos. Logo lavou a placa com um líquido composto de uma parte de ácido nítricos por 16 partes de água destilada. Depois aqueceu, levemente, a placa pondo a parte revestida de cobre diretamente na lamparilha. Novamente, deu um banho de ácido. Assim preparada a placa podia expor-se aos vapores de iodo. Nesse momento a escuridão se precipitou na sala. A placa foi posta numa tabuinha e o conjunto foi colocado numa caixa provista de uma tampa e o iodo, que estava no fundo, se distribuir de modo uniforme através de um pano esticado numa moldura de madeira.
Os vapores de iodo que sobem distribuíam-se, uniformemente, na superfície prateada, formando-se uma capa de ioduro de prata de cor amarelo cobre.
Nesse momento chegou uma câmara escura, previamente, enfocada em direção ao exterior, a placa preparada foi colocada na câmara escura. [Permaneceu enfocando o exterior] um quarto de hora. Ao sacar a placa o desânimo foi geral, aparentemente, nada acontecera e duvidava-se do êxito. O senhor Daguerre ensinou a placa durante 30 segundos, com a cara prateada em direção ao solo, três espectadores abriam muito os olhos e afirmavam: “não há nada”.
Entonces Daguerre a colocou dentro de uma caixa. No fundo da qual estava uma vasilha de barro contendo duas libras de mercúrio, calentado por uma lâmpada até 62 graus. Com o mercúrio quente a essa temperatura, as partículas de mercúrio se evaporam e sobem para fixar-se na superfície da placa, o que fazia aparecer a imagem.
Na parte superior da caixa, uma janela permitia vigiar a operação. Quando tudo esteve pronto, a placa foi retirada e lavada com água destilada, quase fervendo, saturada de sal marinho. Tudo estava terminado, e foi possível admirar a obra.
Nunca vi nada tão perfeito. Cada objeto aparecia finamente gravado. Com uma lupa era possível diferenciar os granos e ainda determinar a matéria e essência de cada objeto
[fixado].(9)

O trabalho de imprimir de forma direta uma imagem em algum tipo de suporte, placa de cobre, vidro, pedra ou papel era procurado por cientistas amadores e profissionais, desde quando se reconheceu a influência da ação dos raios solares em certos materiais, basicamente, as sais de prata.
É importante afirmar que o trabalho de Daguerre não foi um descobrimento isolado, como durante anos se pensou. A construção da nova técnica não foi individual e apareceu simultaneamente em vários outros lugares.

Pelo que tudo indica, a intervenção de Arago junto à Academia de Ciências foi importante, não somente ao “silenciar” o trabalho de Bayard, mas também pela obtenção da publicidade do governo francês ao invento.
A contribuição direta ao novo processo, feita por Joseph-Nicéphore Niépce (1765-1833), quem desenvolveu o Daguerrótipo, também foi silenciada, ao manter-se como único inventor a Louis-Jacques Mandé Daguerre.
A importância de Daguerre é inquestionável em todo esse processo, mesmo que seja relativizada pelas novas contribuições à história da fotografia, porém a presença de Fox Talbot, talvez não fosse ainda reconhecida plenamente, porque foi sua contribuição a que permitiu passar da cópia única à popularização do número indeterminado de cópias fotográficas.

No entanto, o processo de Talbot foi superado pelo trabalho de Archer, quem, em 1851, desenvolvia a fotografia através de uma chapa umedecida, previamente preparada com nitrato de celulose e sensibilizada com nitrato de prata. Mas, em 1871, Maddox abriu as portas para as chasis intercambiáveis de chapas fotográficas, que, por volta de 1877, já eram comercializadas, liberando o fotografo de ter que revelar imediatamente as chapas.
As modificações do suporte da imagem fotográfica foram também acompanhadas pelas transformações da câmara fotográfica, que de dimensões intransportáveis, foi dando passo às pequenas e manipuláveis.

Essas rápidas transformações, que seguiram diferentes formatos, obrigaram a que, em 1889, fosse efetuado, em Paris, o “Primeiro Congresso Internacional de Fabricantes e Técnicos” e, em 1891, o segundo, em Bruxelas, onde foram determinados os padrões de “luminosidade dos objetivos, e o formato e espessura das placas de cristal”(10).
O ritmo das modificações técnicas, tanto no que se refere ao suporte como as máquinas fotográficas, foram surpreendentes, entre 1877 e 1900, permitindo a fotografia populariza-se de forma definitiva.
O melhor exemplo dessa popularização foi a criação da máquina Brownie da empresa de Eastman e Kodak, que custava um dólar.
George Eastman chegou à fotografia através de suas experiências domesticas, nas quais pretendia modificar a situação dos fotógrafos que deviam “carregar tanto quanto uma mula de carga”(11).

Em 1880, começou a comercializar um papel sensibilizado para fotografia. Mas a associação com William Walker, em 1884, para formar uma empresa que produzisse e comercializasse suas próprias máquinas e papel fotográfico, modificou substancialmente todo o processo conhecido até o momento.
Essa empresa, em 1886, transformou-se na Kodak, nome que parecer ter direta relação com o som emitido pela máquina... “Ko... Dak”.

A propaganda da Kodak era “Seu uso dispensa estudos preliminares, laboratórios ou produtos químicos”(12), e “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”(13).
Até 1839, os desenhos litográficos denominavam a apresentação das imagens utilizadas nos trabalhos geográficos, desenhos de linhas contínuas e segmentadas que permitiam apresentar as paisagens as quais os geógrafos descreviam. É pertinente lembrar que esses desenhos eram como uma cópia da realidade interpretada pelo desenhista, considerados como muito próximos da situação copiada.
Desde essa data em diante, a fotografia viria a substituir o “eu estive aqui, eu vi”, frases características da descrição in loco.
Assumindo, assim, a imagem produzida pela máquina fotográfica o fato de ser uma evidência do real, ou de outra forma quando conhecemos algo de escutar, mas que duvidamos, “parece irrefutável quando nos mostram uma fotografia daquilo”(14).

A imagem transforma-se na linguagem do dado incontestável que substitui a descrição. A imagem vale mais que mil palavras.
Mas essas imagens, para serem produzidas do modo como são atualmente, tiveram um complexo desenvolvimento tecnológico. Gostaria de apontar alguns, em particular, a impressão das fotografias em revistas. Processo esse que teve um grande impacto na publicação das revistas geográficas.
A utilização das fotografias obtidas através do procedimento do Daguerrótipo não se prestava útil para a impressão, em papel, apesar dos intentos de transformar a placa metálica numa prancha de gravação.

O primeiro livro publicado com fotografias e texto foi La Photographie Zoologique, editado na França no ano de 1853. Eram reproduções através do procedimento de impregnar com tinta o relevo da figura talhada no metal.
No ano de 1856, a Societé Française de Photographie decidiu outorgar um prêmio para quem obtivesse um procedimento direto de impressão, através do qual fosse evitado o sistema de reconstrução da imagem na placa metálica.
Em 1867, Alphonse Poitevin (1819-1882) criou o sistema fotolitográfico, tendo como suporte a pedra, o qual, anos mais tarde, daria origem à fototipia, que possuía como suporte o vidro.

Através dessas técnicas, foram publicadas as primeiras revistas científicas de geografia que incluíam fotografias como parte da descrição de campo.
Drapeyron, que era diretor da Revue de Géographie, publicou, na página 90 do número 1de janeiro de 1877, editado em Paris, o seguinte texto:
“Aux Touristes et Voyaguers: Appareils Photographiques Dubroni, Permettent di opérer sans laboratoire é preuves instantanées”, com a seguinte nota: “Ce quil y a de merveilleux dans cet appareil c’est que toute personne peut opérer elle-,ême et instantonément, sana jamais avoir fait de photographie”.
Na revista encontravam-se as fotografias dos trabalhos de geógrafos a respeito das colônias francesas na África.

Mas, no contexto das artes, o romantismo e o naturalismo estão no berço da fotografia, pois era o mundo real que passava a estar presente numa relação estabelecida entre o espírito da natureza e o homem.
Uma relação que se misturava com todas as correntes pictóricas dominantes em meados do século XIX e que marcaram e influenciaram os fotógrafos que, antes que técnicos, eram artistas do real.
Razão pela qual, hoje, existe consenso entre os historiadores da fotografia em denominar o período que vai desde a divulgação em Paris do daguerrótipo, até início do século XX, de período artístico da fotografia.
Nesse período, estavam imbricados os trabalhos dos pintores e fotógrafos, muitas vezes coincidindo num só as “duas artes”.

De fato, a relação entre a pintura e a fotografia estava dada, no início, pela tentativa das duas artes para elaborar a cópia fiel da realidade. Capacidade que, desde os primeiros momentos, a fotografia demonstrou possuir.
Susan Sontag (15) afirma que essa foi a principal característica que liberou o pintor para se dedicar à “figuração abstracta” e para a fotografia continuar trazendo á realidade através da captura sensível do cotidiano, que quadro a quadro vai incorporando o movimento até finalmente trazer toda a realidade no audiovisual.


NOTAS
(1) ZUMETA, G. Diálogos fotográficos imposibles. Andalucia: Centro Andaluz de la Fotografia. 1996. p. 17.
(2) SOUGEZ, M. Historia e la Fotografia. p. 54.
(3) ZUMETA, G. p. 21.
(4) SOUGEZ, M. p. 57.
(5) Ibidem, p. 58.
(6) Jornal do Commercio, n. 98, p. 2 1/5/1836. In: KOSSOY, B. Hercules Florence: 1833 a descoberta isolada da Fotografia no Brasil. São Paulo: Duas Cidades, 1980, p. 43-45.
(7) Segundo Boris Kossoy a palavra fotografia fora utilizada pela primeira vez por Hercules Florence em 1933.
(8) KOSSOY, B. op. cit. p. 76-77.
(9) SOUGEZ, M. op. cit. p. 60-61.
(10)SOUGEZ, M. op. cit. p. 181.
(11)BUSSELLE, M. Tudo sobre fotografia. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 36.
(12)Ibidem, p. 37.
(13)Ibidem, p. 37.
14.- SONTAG, S. Sobre la fotografia. Barcelona: EDHASA, 1977. p. 15.
15.- Ibidem, p. 15.

Comments:
Parabéns pelo post. Sempre bom mergulhar na história das ciências, em particular a Geografia. Pena ela ter perdido um pouco aquela visão poética de desbravar novos mundos. Só vejo isso ainda quando acesso a National Geographic. Abraços.
 
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