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Pedofilia e direito canônico

quinta-feira, março 25, 2010 4:08:00 PM


Introduzindo o problema: vejam o que diz o artigo 1395 do Código do Direito Canônico disponível no site do Vaticano (estranhamente não está disponível a versão em português)

1395 § 2. El clérigo que cometa de otro modo un delito contra el sexto mandamiento del Decálogo, cuando este delito haya sido cometido con violencia o amenazas, o públicamente o con un menor que no haya cumplido dieciséis años de edad, debe ser castigado con penas justas, sin excluir la expulsión del estado clerical cuando el caso lo requiera.

Treduzindo o artigo 1395 § 2: O clérigo que cometa de outro modo delito contra o sexto mandamento do Decálogo (não pecar contra a castidade), quando este delito tenha sido cometido com violência ou ameaças, ou publicamanete ou com um menor que não tenha cumprido desesseis anos de idade, deve ser castigado com penas justas, sem excluir a expulsão do estado clerical quando o caso o requerir.

Deduz-se que, caso a relação sexual com a criança não foi obtida por violência ou ameaça, nem foi descoberta, ou, se for descoberta mas o menor tiver mais de 16 anos, o Direito Canônico considera que não há pecado ou crime, que o caso não é importante e por isto não prevê nenhuma punição.
Também o termo penas justas é vago pois não define a pena nem o que é justo, como também não diz em quais casos a expulsão é necessária. Enfim, mesmo tendo uma lei canônica, ela deixa a decisão nas mãos do tribunal eclesiástico local, geralmente formado por clérigos, e não prevê em nenhum artigo quando o clérigo deve ser entregue à justiça estatal.

Primeiro problema: O abuso cometido contra a criança é científicamente reconhecido como tendo um impacto comprometedor do seu desenvolvimento cognitivo, psicológico, afetivo e social e é considerado crime pela justiça civil. Além do abuso sexual, também a violência física e a manipulação moral comprometem o desenvolvimento da criança, deixando sequelas profundas na formação da sua personalidade, implicando em geral uma baixa estima de si, vergonha, dificuldade de estabelecer relaçoes de confiança, depressão frequente, pensamentos suicidas, retardo afetivo, dificuldade de concentração, entre outros distúrbios que acompanharão a vítima mesmo na fase adulta, talvez por toda a vida.
Questão: O magistério da Igreja reconhece os dados da psicologia na sua avaliação do abuso cometido por membros do clero sobre crianças e adolescentes, geralmente fiéis, e aceita a criminalização da pedofilia pelo Código Civil?

Segundo problema: Os membros do clero em geral pretendem uma autoridade espiritual sobre os fiéis baseada na origem histórica do ministério clerical, mas também na força própria da mensagem do Cristo. Ao utilizar desta autoridade para conquistar a confiança dos pais e se permitir manipular seus filhos como objeto de prazer sensual e sexual, os clérigos não apenas contradizem sua autoridade espiritual, mas desacreditam a instituição que representam contradizendo a mensagem cristã na incoerência dos seus atos.
Questão: Porque estes clérigos, com sérios problemas psicológicos e morais, são transferidos de paróquia em paróquia e continuam a exercer o ministério, expondo outras crianças e fiéis aos mesmos problemas tão conhecidos do bispo e pondo em risco a credibilidade moral e espiritual de todo o clero e da igreja?

Terceiro problema: Os clérigos formam uma hierarquia organizada para difundir os valores do Evangelho, cujo teor principal parece ser a justiça. No entanto, as autoridades clericais, bispos, cardeais, provinciais e até mesmo o cardeal Ratzinger parecem ter buscado abafar os casos de pedofilia que lhes foram denunciados, chegando mesmo a ameaçar de excomunhão quem ousasse levar um clérigo à justiça civil. Ao ameaçar as vítimas, fiéis, crianças, adolescentes e seus pais, a hierarquia mostra claramente ter escolhido proteger e acobertar os clérigos a despeito do sofrimento dos leigos.
Questão: Porque o direito canônico permite que se excomungue quem denuncie os abusos cometidos contra seus filhos e não o faz contra um clérigo que os tenha cometido e contra aqueles que os acobertam? Trata-se de um tipo de solidariedade corporativa limitada aos clérigos? Como esta solidariedade corresponde aos valores propostos pelo Cristo? A busca de credibilidade para a mensagem de Cristo justifica o acobertamento do crime?

Mais. O artigo 1395 do Direito Canônico, na forma como está escrito, parece legitimar a hipocrisia clerical em prejuízo do laicato e da justiça comum, alem de estimular a prática frequente de tentar abafar o caso, tendo como única prioridade resguardar a imagem do clero. Como a maior parte dos casos acontece com coroinhas, órfãos e alunos pobres da catequese, geralmente envolvidos numa disputa de favores, privilégios e presentes, incluindo ameaças de perdas destes favores ou de humilhação, e como a maior parte dos casos nunca vem a público por receio de perder privilégios, chantagem, medo, dúvida, vergonha, etc. então o fardo das consequências é carregado pelas vítimas, crianças, adolescentes e suas famílias, que suportam silenciosas o mal que sofrem. Mesmo quando denunciam à justiça comum, os criminosos lhes lançam o estigma de mentirosos, inescrupulosos ou de ladroes tentando extorquir a paróquia. São os mais fracos quem sofrem as sequelas dos abusos e toda a confusão moral criada pela contradição e incoerência clerical, somada ao peso das ameaças de excomunhão e da execração pública. São elas as vítimas quem deveriam ser protegidas em prioridade pela igreja de Cristo e não o contrario.

Se o Direito Civil considera crime mesmo quando não for público, o bispo, o arcebispo, o provincial, o cardeal e o papa que forem informados do fato tem o dever legal, se não moral, de denunciá-lo à justiça comum. Vale dizer que a desculpa de impedimento de denunciar por causa da obrigação de segredo de confissão não se aplica nos casos em que a confissão é resultado de investigação e não de recurso sacramental, geralmente buscado pelo suspeito para se proteger da denúncia. Também não compete ao bispo decidir sobre a validade do direito de reparação da vítima ou da presunção de inocência do acusado. Como cidadão, cabe ao bispo buscar de todas as formas que a verdade apareça e que a justiça seja feita segundo o Código Civil e que os criminosos respondam pelos seus crimes na forma da lei civil. Ao contrário, ocultar provas, ameaçar as vítimas e proteger o suspeito, mesmo que o crime não tenha sido comprovado, significa assumir cumplicidade no crime.

O Código de Direito Canônico traz outros artigos com uma lógica similar, relativizando o crime em função da extensão da publicidade. Ora, se o que falta é publicidade para que haja uma reação coerente por parte do clero, então, importa mais ainda que a midia denuncie com todo o vigor possível, para que o problema seja resolvido com a máxima transparência e honestidade.

Veja o banco de dados de padres acusados publicamente nos EUA desde 1940 até 2007 no site http://www.bishop-accountability.org

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