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Imagens e leituras do patrimônio cultural de Maringá-PR.

quarta-feira, março 25, 2009 3:12:00 PM

“Onde o homem passou e deixou marca de sua vida e inteligência, aí está a História”. (Fustel de Collanges)

O presente texto tem a finalidade de discorrer sobre o patrimônio cultural da cidade de Maringá-PR, tomando como estudo de caso a antiga Cafeeira Santo Antonio. Fazendo uso de fontes imagéticas, entre estas, a fotografia, o propósito é fazer uma leitura sobre as práticas atuais do poder público no tocante à conservação dos bens culturais desta cidade.
A Cafeeira Santo Antonio foi edificada em 1949, na Vila Operária. Este que foi um dos primeiros bairros, mais do que isto, um dos primeiros núcleos voltados à atividade industrial e comercial da cidade, projetado pelo arquiteto e urbanista Jorge de Macedo Vieira, a pedido da Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná, colonizadora de Maringá e do Norte do Paraná.
Localizada em região estratégica, próxima a linha férrea, a cafeeira materializou novas opções aos produtores rurais, uma vez que se tornou um lugar a mais para as atividades de beneficiamento e comercialização do café. Muitas relações se estabeleceram entre os moradores da Vila Operária e a cafeeira. Tal população constituiu parte significativa da mão de obra da empresa ao longo de sua existência.
Até fins da década de 1980 a cafeeira operou normalmente, e a partir dos anos de 1990, deu inicio a um processo de paralisação, efetivado totalmente em 1999. (Leal João Laércio Lopes. Processo de Tombamento Cafeeira Santo Antonio. Parecer Histórico sobre o imóvel).
O significado deste bem na paisagem e na história da cidade é encontrado na literatura. No livro “Memória dos Bairros” (2002, p.140) a mesma é destacada como sendo “um símbolo do processamento de cereais no bairro, uma das últimas unidades de beneficiamento sobreviventes na cidade”.
As representações atribuídas à edificação, permitiram que parcela da população solicitasse a inclusão da mesma enquanto patrimônio cultural da cidade de Maringá.
Consta da data de 26.02.20004 abaixo assinado encaminhado ao Ministério Público de Maringá com o seguinte teor:

“A importância dessa edificação para a memória e para a identidade de Maringá e da região noroeste do Paraná”, somada a fragilidade da construção da (madeira) e ao abandono em que se encontra o local, nos levam a solicitar ao Ministério Publico que sejam tomadas medidas cabíveis para garantir a preservação do referido bem, até que sejam elaborados estudos que possam fundamentar sua importância e indicar possíveis ações no intuito de sua preservação e manutenção na paisagem urbana de Maringá”.

Atendendo aos anseios dos moradores, a Promotoria do Meio Ambiente expediu oficio à municipalidade informando da solicitação da comunidade e relembrando a mesma quanto às suas obrigações para com o patrimônio cultural. Na conclusão do documento são feitas as seguintes recomendações às autoridades:

(...) que se abstenham de expedir autorizações de demolição da maquina de café (...). Que sejam elaborados, com a brevidade possível, estudos administrativos no sentido de ser viabilizado o tombamento do bem acima descrito, em face de constituir parcela significativa do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico do Município de Maringá e região”. (Promotoria do Meio Ambiente do Estado do Paraná. Comarca de Maringá. Oficio 372\20004, 22\06\2004).


Outras medidas foram tomadas. Consta da data de 27\08\04, envio do ofício 499\2004, no qual a Secretaria de Cultura do Município de Maringá comunicava à empresa Nova Guadalupe Empreendimentos Imobiliários Ltda, acerca da abertura do processo de tombamento do imóvel. Em linhas gerais o documento dava ciência ao proprietário da condição de proteção que o bem desfrutava a partir de então, salientando a proibição de qualquer intervenção que viesse a modificar as características do imóvel.
Todavia, o ano de 2004 chegou ao fim. Findou também a gestão municipal. A comissão de patrimônio nomeada pela prefeitura fez alguns estudos e reuniões, mas não conseguiu concluir o tombamento do imóvel.
No ano de 2005, uma nova gestão assumiu o governo da cidade. Os trabalhos pertinentes ao tombamento da cafeeira foram temporariamente suspensos, pois, uma vez que a Comissão responsável pela conservação dos bens culturais da cidade de Maringá fora nomeada por uma Portaria emitida pelo Prefeito em exercício anterior, a nova administração achou por bem destituir a mesma.
Cinco meses após, através do Decreto nº. 546/2005, foram nomeados outros membros para compor uma nova comissão e reiniciar os estudos. Medida que, em meu entendimento, aponta para a provisoriedade das ações destinadas a pensar a política patrimonial em Maringá.
Os trabalhos referentes ao processo de tombamento da Cafeeira foram retomados. Contudo, apesar de ter considerado a importância histórica e cultura do imóvel, a referida comissão entendeu não ser viável o seu tombamento, isto em função do estado de deterioração do madeiramento e dos altos custos necessários à sua recuperação. (Processo de tombamento do Imóvel Maquina de Café Santo Antonio, número 001/2005 - Arquivos da Gerência de patrimônio Histórico de Maringá-PR).
Todavia, a maioria dos membros deliberou pela preservação de uma seção produtiva da cafeeira, uma tulha de café. Em função da decisão de não tombar a Cafeeira, optou-se por preservá-la em outro local.
Para viabilizar tal situação e garantir a preservação legal da tulha, um termo de compromisso foi registrado em cartório celebrando um acordo entre o poder público e o proprietário da mesma. Ao proprietário coube a função de ceder a propriedade da tulha ao município de Maringá e ao poder público a obrigação da conservação da mesma enquanto um bem cultural. (Termo de Compromisso nº. 323787- Registro de Títulos e Documentos-Tabelionato Liana Claudia Vargas Pinto-1º Ofício, Maringá-PR).
O termo de compromisso foi assinado em maio de 2006. Em outubro do mesmo ano, o proprietário demoliu a Maquina de Café, cedendo a tulha à municipalidade, para o usufruto público.
Na ocasião a administração municipal ainda não tinha um local definido para montar esta tulha. Em função disto optou por temporariamente guardar o madeiramento constitutivo da tulha em um armazém cedido pela empresa Cocamar, em Paiçandu, cidade próxima a Maringá. Isto até que se providenciasse um local definitivo para a remontagem do bem.
As fotos abaixo fazem referencia a todo este procedimento. Vejamos:

Fotografia 01


Fotografia 02

Fotografia 03


Fotografia 04
Estas quatro fotografias foram obtidas no blog do jornalista maringaense, Sr. Ângelo Rigon. As mesmas foram postadas nesta seqüência de ordem e sob o título: “Descaso com o Patrimônio Público”. A data da postagem é do dia 30.06.2007, às 19h07min. Portanto, oito meses após o desmonte da Cafeeira e do envio da tulha para a empresa Cocamar. A autoria da foto é atribuída a Mosca Branca, um pseudônimo.
O conjunto de fotos e o modo como foram dispostas atendem alguns propósitos. Na primeira foto, entendo que houve uma intenção em situar o leitor no tocante ao lugar em que a tulha se encontra. No plano central e dominando quase todo o espaço da foto, foca-se um armazém. A foto foi é feita em um ângulo que bem identifique onde se localiza. Em um primeiro olhar se identifica que é na cidade de Paiçandu-PR, na empresa Cocamar.
Já na segunda foto, entendo que o objetivo do fotógrafo Mosca Branca é detalhar internamente o espaço. A foto tirada provavelmente no fundo do armazém é feita para revelar a grande extensão do local. A visão da porta lá adiante contribuiu para dar este entendimento.
No plano direito da fotografia é visto um amontoado de grãos de soja. O autor da foto parece querer dar a entender que o local é grande e que está bastante ocupado com a guarda de grãos, um dos produtos da Cooperativa Cocamar. Tudo indica que o fotógrafo quer chamar atenção para o fato de que aquele local foi feito para abrigar soja e não uma tulha de café, mais do que isto, um bem cultural.
Na terceira foto, feita provavelmente em um ângulo próximo ao objeto retratado, o objetivo parece ser o de mostrar que há espaços do armazém que estão desorganizados. É possível observar madeiras desalinhadas, sobre elas está largado um caixote. Ao fundo, também se percebe um objeto que parece ser uma garrafa, deixada lá sem necessidade.
Ainda nesta foto, chama atenção o chão. No canto mais esquerdo da fotografia, observa-se que as madeiras estão depositadas diretamente em contato com a terra. Trata-se de um lugar meio abandonado. Um monte de madeiras, um lugar de entulhos. Comparando esta foto com a anterior, pode-se perceber a diferença. O espaço da foto 02 é organizado.
A quarta foto identifica o mesmo espaço da foto anterior. Feita em ângulo diferente, na diagonal, tal como a foto anterior, parece querer chamar atenção para o abandono do espaço. Na foto agora se percebe um pouco mais da improvisação do local onde está a tulha. O fotógrafo consegue chamar a atenção para objetos e coisas deixadas em um fundo próximo ao madeiramento. Aqui ele parece querer também dar mais ênfase ao chão. Ao contrário da foto anterior escolheu um outro ângulo para melhor destacar tal questão.
Por fim, compreendo que as fotos foram produzidas com o intuito de apresentar o espaço, o armazém. Buscando construir a idéia de que o lugar é da soja e não da tulha. Por isto as fotos fazem uma contraposição entre uma coisa e outra.
Analisando a representação fotográfica em junção com o texto que as acompanha, intitulado de: “descaso com o patrimônio público”, é razoável supor que o fotógrafo e quis chamar atenção para a falta de cuidados adequados do poder público com aquilo que seria um bem cultural. Em seu texto isto é bem visível, vejamos:

As imagens são do que sobrou da primeira máquina beneficiadora de café de Maringá, que foi removida de suas instalações originais e depositada no antigo IBC de Paiçandu. A desmontagem foi feita sem supervisão de técnico especializado na preservação do material, não houve nenhum trabalho de numeração prévia das partes para recomposição, e assim fica difícil saber como remontá-la. O descaso com que a atual administração trata a história de Maringá é lastimável. O antigo equipamento divide espaço com toneladas de soja.

Bem, temos aqui documentos. São fotografias do patrimônio cultural que nos permitem toma-las como fonte para uma leitura das práticas de preservação adotadas pelo poder público. Que leituras são possíveis de serem feitas?
O autor das fotos diz que as fotos são “imagens do que sobrou”. Entendo que são representações construídas por ele. Por certo que suas fotografias não são a realidade absoluta. É identificável a intencionalidade na produção e disposição das mesmas no blog.
Kossoy (2001, p. 36) fala do fotografo como alguém que “não esta dispensado de reger o ato, de comandar o processo de criação com o objetivo que tinha em mira: obter uma representação visual de um trecho, um fragmento do real”.
Sobre o fotógrafo e sua relação com a fotografia diz: que é preciso que se entenda que este é alguém que “não esta dispensado de reger o ato, de comandar o processo de criação com o objetivo que tinha em mira: obter uma representação visual de um trecho, um fragmento do real”. (idem, p.36).
Em sendo assim:

(...) seu talento e intelecto influirão no produto final desde o momento da seleção do fragmento até sua materialização iconográfica. O testemunho que é o registro fotográfico do dado exterior é obtido\ elaborado segundo a mediação criativa do fotógrafo.” (...) Qualquer que seja o assunto registrado na fotografia, esta também documentará a visão de mundo do fotógrafo. (idem, p.50).


Considerações semelhantes são apresentadas pelo sociólogo José de Souza Martins (2008, p.28) ao chamar nossa atenção para a necessidade de se perceber que “o que o fotografo registra em sua imagem não é só o que está ali presente no que fotografa, mas também, e, sobretudo as discrepâncias entre o que pensa ver e o que está ali, mas não é visível”.
Dentro desta mesma linha encontramos considerações de Ana Maria Mauad (2004, p.22) que nos lembra acerca da dupla natureza da fotografia. A primeira natureza diz respeito ao seu papel documentar e informar fatos, situações e eventos. A segunda natureza esta ligada à representação que a fotografia consolida sobre estes eventos. Deste modo, de acordo, com Mauad, trata-se de não esquecermos que: “todo documento é monumento, se a fotografia informa, ela também conforma determinada visão de mundo”.
Em síntese, Kossoy e Martins e Mauad orientam-nos que um procedimento metodológico importante é perceber que tal como qualquer documento a fotografia não é o real, é antes disto, um indicio, uma leitura ou uma construção do real. Construção marcada pela intencionalidade, limites e técnicas do seu produtor, no caso, o fotógrafo.
Todavia, apesar destas questões de ordem metodológica que devem orientar a leitura e o uso da fotografia na compreensão do social, entendo que tais imagens, em especial, quando lidas em conjunto com o termo de compromisso no qual se definiu obrigações ao poder público de conservar a tulha, permitem a sustentação da proposição de que neste caso houve uma longa distância entre a intenção de preservar - estabelecida mediante contrato em cartório - e as posteriores ações destinadas a cumprir tal fim.
Uma leitura das fotos permite-nos concluir acerca das condições insatisfatórias em que se encontra a tulha, ou antes, o madeiramento, pois, tulha somente será quando voltar a ser montada, conforme o previsto nos termos de compromisso e conservação.
Empilhada, disposta em contado direto com o chão, não apresenta sinais de que foi inventariada, catalogada e numerada para que futuramente fosse recomposta. A leitura que a foto nos permite ter é de que a tulha não foi alvo de medidas de conservação. Esta lá, largada entre a soja.
No momento atual, em seu segundo mandato, a atual administração ainda não conseguiu viabilizar um novo local para esta tulha, que em acordo com a clausula 1ª do Termo de Compromisso assinado pela municipalidade, foi tida como: “(...) um bem de interesse da coletividade maringaense, devendo, portanto, o município, em acordo com a lei Municipal nº2297/87, zelar pela sua preservação (...)”.
Por falar na lei de tombamento municipal nº2297/87, é bom lembrar que em seu artigo 1º, parágrafo único, está estabelecido:
O serviço de patrimônio Histórico e Artístico Municipal responsabilizar-se-à pelo conjunto de bens móveis e imóveis existentes no Município, cuja conservação seja de interesse público (...)”.

Por fim, tais imagens, ainda que não se constituam no real, e, sim, uma representação do real, não deixam de documentar as fragilidades da política de conservação do patrimônio cultural pelo poder publico de Maringá.


FONTES:
-Processo de tombamento do Imóvel Maquina de Café Santo Antonio, número 001/2005- (Arquivos da Gerência de patrimônio Histórico de Maringá-PR).
-Termo de Compromisso nº. 323787- (Registro de Títulos e Documentos - Tabelionato Liana Claudia Vargas Pinto-1º Ofício, Maringá-PR).
-23ª Ata de reunião da Comissão Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Maringá.
-Lei Municipal 2.297/87
Fotografias. Disponível em: angelorigon. blogspot.com. Acessadas em 30.06.2007.

BIBLIOGRAFIA:
AGUIRRE ROJAS, Carlos A. Uma história dos Annalles (1921-2001). Tradução Jurandir Malerba – Maringá: Eduem, 2004.
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 2. ed.rev. – São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
MARTINS, José D. Sociologia da fotografia e da Imagem. São Paulo. Contexto, 2008.
MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História, Interfaces. Revista Tempo, Rio de Janeiro, vol.1º, nº. 2, 1996, p.73-98.
MAUAD, Ana Maria. História – Possibilidades de Análise. In: Ciavatta, Maria e Alves, Nilda. (orgs). A leitura da imagem na pesquisa social: história, comunicação e educação. São Paulo: Cortez, 2004. p. 25\3.
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Memória dos Bairros. Vila Operária. 2002.

Veroni Friedrich é Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá. Área de Concentração: Bens Culturais, Fronteiras Populações.

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