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Cotidiano abastado: até quando?

terça-feira, fevereiro 26, 2008 3:05:00 PM

Desde meados da década de 1940, mais precisamente com o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por muitas revoluções comportamentais e a década de 1960 é um exemplo clássico disso. No entanto, uma das mais perceptíveis mudanças no cotidiano da sociedade é o aumento do consumo per capita. Influenciados pelo estilo norte-americano de ser, que não poupou esforços em propagandear com suas estrelas do cinema o culto ao consumo dos mais variados tipos de produtos, pessoas do mundo inteiro passaram a aspirar, a desejar esse novo estilo de vida em que o prazer e o bem-estar pessoal ficam acima de qualquer condição inicial. Não é a toa que o ambientalismo começou a ganhar força exatamente nas décadas de 1950 e 1960, quando os resíduos gerados por esse novo estilo de vida começaram a alcançar patamares muito mais impactantes do que outrora.

Partindo dessa idéia, contarei uma pequena estória de um dia de consumo típico de um morador da classe média brasileira para posteriormente fazer outras considerações. Não enfoco aqui, nesse exemplo, o modo de vida dos muito pobres ou miseráveis, por não se encaixarem no padrão de vida acima descrito, e nem dos muito ricos, cuja gama de consumo é muito maior, e cujo exemplo seria por demais exacerbado.

Um cidadão acorda e vai tomar o seu café da manhã. Geralmente ele come um pão francês, no máximo dois pães se estiver com fome e o recheio desse pão pode estar sendo composto por mortadela, presunto, queijo, maionese, margarina, requeijão ou alguma geléia. Acompanhando o café, que pode ser puro ou com leite, provavelmente estará a presença de alguma fruta, geralmente banana, maçã, o tradicional mamão ou melão. Sem maiores frescuras. No almoço, o cardápio mais natural da classe média brasileira é o insubstituível arroz com feijão, carne de frango (a mais barata dentre as carnes), legumes como a abobrinha, a vagem e a cenoura, salada de alface, agrião ou rúcula e um pouco de tomate, que é relativamente caro mas tão popular que o classe média compra. Caso consuma um prato e repita, são geralmente no mínimo 500 gramas de alimento. Outras combinações de cardápio são possíveis, mas essa é uma das mais comuns. Á tarde, esteja onde estiver, consume geralmente algumas bolachas, ou mais um pão francês, ou um salgado ou então consume mais frutas. À noite, caso o morador tenha o hábito de consumir comida e não outro café, geralmente repete o prato de arroz com feijão, frita um ovo e termina o prato com o acompanhamento de alguma salada ou algum legume refogado dentre os muitos. Não raro, antes de dormir, os classe média têm o hábito de tomar algo, como, por exemplo, um chá e comer mais alguma coisa, geralmente bolachas. Nada de anormal.

No mais, no decorrer de um dia, além de consumir alimentos de qualidade, consomem água tratada, utilizada basicamente para banho, lavagem de roupas e limpeza da casa, além da utilizada para o próprio consumo. No final desse pequeno exemplo, se constatam que, sem maiores exageros, um morador de classe média diariamente consome uma grande gama de vegetais, legumes, carboidratos, proteínas sem incluir nessa gama de produtos os muitos produtos industrializados que também estão presentes em seu cotidiano. Todos esses dotados de no mínimo boa qualidade. E uma quantidade considerável de água tratada. Poderia colocar, nesse texto, ainda alguns dados quantitativos sobre a média de consumo diário de um cidadão, mas já se percebe uma questão perturbadora: consumimos muito, desperdiçamos muito, não estamos habituados em economizar e estamos muito pouco preparados para períodos de maior escassez. O objetivo do presente texto é a de conscientizar e fazer refletir. Não adianta o leitor saber friamente que por dia um cidadão (não dos países de Primeiro Mundo) pode consumir por volta de 100 litros de água tratada; mas deve perceber a natureza dessa realidade. Geralmente as pessoas percebem os seus próprios gastos e o seu próprio desperdício quando o recurso utilizado está em falta ou mesmo termina.

Mais complexa fica a situação quando quem tem esses benefícios não quer diminuí-los ou quer mesmo aumentá-los e quando (e isso é perfeitamente compreensível) os mais pobres querem também ter o direito de tê-los. Novamente se vê a luta de classes de Marx, no confronto entre ricos e pobres, seja esse confronto travado por pessoas ou por países, podendo ser associada ainda a esse quadro a idéia malthusiana de que a produção de alimentos cresce de maneira aritmética, enquanto a população aumenta de forma geométrica (teoria populacional malthusiana). No mais, os alimentos e a água, além de serem consumidos em quantidade gradualmente maior, devem manter a sua qualidade, em prol da sustentação da qualidade de vida de todos. E a preocupação com a qualidade de vida social é um discurso já antigo, citado por tantos estudiosos como Capra que enfatiza o desenvolvimento sustentável e por Diamond que tanto já se referiu às sociedades que pereceram por essas mesmas questões.

Todavia, apesar dessa idéia ser já há muito tempo apresentada e esse quadro progressivo revelado, demoramos muito para assimilar as lições, podendo a humanidade novamente estar caminhando para um rumo desastroso, e quem sabe definitivo. Diamond, em seu livro Colapso, explica em seu capítulo 14 porque a sociedade toma decisões tão desastrosas e fracassa tantas vezes em questões aparentemente óbvias como a administração de seus recursos. Ele cita, em sua obra, casos, como a deterioração total da Ilha da Páscoa e das ilhas da Polinésia Francesa pelos povos polinésios, o desaparecimento dos anasazis no Novo México, dos maias na Península de Yucatán, o desaparecimento dos vikings na Groenlândia Nórdica, além de apresentar os problemas de muitos países atuais, como os graves problemas ambientais da China, da Austrália, de países como o Haiti e a República Dominicana e de Uganda relacionando também com o massacre étnico entre tutsis e hutus. E em todos esses casos, a questão da administração dos recursos naturais perante as necessidades da população crescente está presente. Ele diz, de maneira preocupante que muitas vezes podemos conhecer a existência de um problema e de seus impactos, mas a sociedade não consegue resolvê-lo devido a uma incapacidade da mesma em tomar decisões em conjunto e colocá-las em prática. Pode ainda, segundo Diamond, ocorrer uma espécie de inércia social perante um problema evidente, sempre quando existe um de grandes proporções para ser resolvido. A idéia é bem clara e muitos já conhecem: quando temos um grande problema e a solução é dispendiosa e difícil, muitas vezes nos acovardamos e não fazemos nada. Enquanto isso, o problema fica ainda pior e caminhamos para o nosso caos, sabendo que estamos caminhando para o nosso caos conscientemente.

O planeta está já seriamente impactado e o problema será bem maior daqui a vinte ou trinta anos. Gradativamente, com o avanço dos impactos referentes às mudanças ambientais, o processo de imigração dos refugiados ambientais provenientes dos países menos afortunados para os menos atingidos por essas mudanças será reforçado e o fator social na discussão ambiental será maior do que já é. Não é preciso ser gênio para saber que com uma crise ambiental, se transformando em uma cada vez mais forte crise social, acarretará em uma crise econômica de proporções muito grandes. Crises afetam as relações, fomentam rivalidades, discórdias e rancores e ocorrerão inevitavelmente guerras. Será que em pleno século XXI, a solução mais sábia que a “sociedade tecnológica” tem a oferecer é o velho, estúpido e inaceitável genocídio de nações para a perpetuação da parcela mais afortunada?

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Comments:
Faz pouco tempo que começamos a perceber que tudo no planeta é finito... ainda há quem não acredite que teremos escassez de água potável, se não acredita, não economiza.
Degradação ambiental e miséria andam paralelamente.
Uma provoca a outra e é conseqüência da outra...
Gostaria de saber onde se encontra a tal “evolução humana”.

abraços
 
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